1.1. Definição
A Gastrenterologia é a especialidade das doenças do aparelho digestivo, cuidando dos doentes com patologia do tubo digestivo, fígado, vias biliares e pâncreas. Abrange, por isso, as necessidades de diagnóstico e terapêutica em patologias várias, algumas de grande prevalência na comunidade, num leque vasto que varia de patologias simples e frequentes a muito complexas, tais como as que envolvem transplantação de órgãos. Tem tido, nomeadamente no âmbito da terapêutica, uma enorme expansão nos últimos anos. Por outro lado, a prevenção das doenças do foro digestivo assume cada vez maior importância, nomeadamente na área do cancro. A patologia comum inclui a dispepsia, a doença de refluxo gastroesofágico, a síndrome de intestino irritável e a obstipação. A maior parte da atividade do gastrenterologista é dirigida ao ambulatório, procurando excluir patologia orgânica em doentes sintomáticos, sendo que a investigação inclui frequentemente exames endoscópicos e imagiológicos. Mas a atividade do gastrenterologista também inclui a assistência a doentes internados e a situações de urgência/emergência, como a hemorragia digestiva, a icterícia e a dor abdominal. Ainda fazem parte das suas atribuições a abordagem da patologia oncológica, o tratamento da doença péptica e da doença de refluxo, da patologia do intestino delgado, da doença inflamatória intestinal, da patologia da árvore biliar, do fígado e do pâncreas. A transplantação de órgãos, em particular do fígado, poderá fazer parte da atividade do gastrenterologista em alguns centros. A Gastrenterologia tem, portanto, uma importante vertente clínica e uma componente técnica instrumental, particularmente endoscópica. Os últimos progressos no diagnóstico e tratamento das doenças do aparelho digestivo têm condicionado o aparecimento de áreas diferenciadas dentro da Gastrenterologia, uma das quais, a Hepatologia, já se constituiu, formalmente, em subespecialidade. A maioria dos doentes com patologia digestiva é seguida pelo médico assistente de cuidados primários, embora muitas das situações sejam resolvidas com aconselhamentos e terapêutica médica, cabendo ao gastrenterologista proceder, sempre que possível em ambulatório, ao diag nóstico clínico e orientação terapêutica de doentes referenciados. Assim, na consulta externa hospitalar, deve haver um número proporcionalmente elevado de primeiras consultas.

1.2. O que define um gastrenterologista

Médico com formação específica, apto a diagnosticar e tratar doenças do tubo digestivo, fígado, pâncreas e que executa endoscopia diagnóstica e terapêutica. Tem competência para realizar técnicas endoscópicas básicas, nomeadamente endoscopia digestiva alta e baixa, polipectomia, terapêutica hemostática e exames proctológicos. Competelhe ainda exercer a tarefa de consultor no âmbito hospitalar.

1.3. Breve história da Gastrenterologia em Portugal

A organização da Gastrenterologia como área específica da Medicina ocorreu nos anos cinquenta do século passado, na sequência de eventos científicos ligados à especialidade, seguidos da criação das primeiras sociedades de Gastrenterologia. A carreira hospitalar de Gastrenterologia em Portugal foi criada nos anos setenta. A acentuada evolução das técnicas endoscópicas, no âmbito do diagnóstico e terapêutica, influenciou a orgânica dos Serviços com a criação de unidades de endoscopia e consequente diferenciação técnica. Atualmente, a maioria dos hospitais portugueses possuem serviços de gastrenterologia, dotados de internamento, consulta e técnicas de endoscopia.

1.4. Áreas de diferenciação técnicoprofissional

Dentro da especialidade de Gastrenterologia, têmse desenvolvido algumas áreas de dife renciação como a Endoscopia Digestiva, a Hepatologia e a Proctologia. A subespecialidade de Hepatologia foi criada em 2005 pela Ordem dos Médicos.

2. Epidemiologia Gastrenterológica

A incidência e prevalência das doenças do foro da Gastrenterologia em Portugal são relativa mente elevadas, aliás, à semelhança do que acontece noutros países ocidentais, implicando grande necessidade de recursos técnicos e humanos. Algumas patologias são particularmente prevalecentes.

À semelhança de outros países ocidentais, a doença de refluxo gastroesofágico é bastante comum em Portugal. Segundo dados recentes do Observatório Nacional de Saúde (ONSA), esta doença apresenta uma prevalência de 35% na população portuguesa com mais de 18 anos.

Estimase que 1520% da população sofra de dispepsia no decurso de um ano. Calculase que 2 a 5% dos doentes que acorrem aos cuidados primários referem perturbações funcionais digestivas.

A prevalência da doença inflamatória intestinal em Portugal, que tem vindo a aumentar progressivamente, será, segundo alguns estudos recentes, de 56/100.000 habitantes, com uma relação colite ulcerosa/ doença de Crohn de 1,9:1.

A doença hepática alcoólica continua a ser um problema de saúde pública importante em Portugal. As complicações resultantes da cirrose alcoólica exigem importantes cuidados gastrenterológicos e consomem elevados recursos económicos.

Os dados epidemiológicos existentes apontam para uma prevalência de hepatite C de 1,5% da população geral, ou seja, cerca de 100.000 a 150.000 portugueses infetados.

A incidência do cancro digestivo em Portugal merece uma atenção especial, atendendo à elevada frequência do cancro gástrico e do cólon. No que diz respeito ao cancro colorectal, que deverá ser eleito como um grande problema de saúde pública, a sua incidência, que tem vindo a crescer de ano para ano, será agora certamente superior aos valores de cerca de 50 novos casos/100.000 habitantes/ano que terão sido registados em 2000.

Dentro da patologia gastrenterológica podemos distinguir situações com grande impacto social passíveis de serem abordadas em ambulatório e outras situações mais graves com necessidade de recurso a internamento hospitalar. A patologia digestiva e hepática constitui o primeiro motivo de hospitalização.

Entre as situações patológicas habitualmente abordadas em ambulatório, destacamos:

  • Dispepsia
  • Doença do refluxo gastroesofágico
  • Úlcera péptica
  • Síndrome de intestino irritável
  • Doença inflamatória intestinal
  • Cancro do cólon e reto
  • Hepatite vírica
  • Cirrose hepática
  • Litíase biliar
  • Doença hemorroidária No que respeita às situações patológicas com necessidade de internamento hospitalar, destacamos de seguida algumas delas.

2.1. Patologias com impacto hospitalar

Hemorragia digestiva
Em 2004, segundo os registos nacionais, ocorreram 6686 internamentos por hemorragia gastrointestinal, correspondentes aos GDH’s 174 e 175. As estatísticas internacionais apontariam para uma incidência de 120 a 140 episódios de internamento por hemorragia/100.000 habitantes/ano (originariam nesse caso cerca de 12000 internamentos). A mortalidade calculada é de 10 a 14%. A hemorragia digestiva, particularmente a alta, é uma situação grave, que exige atendimento num hospital devidamente equipado. Estes doentes devem ser atendidos em serviços de urgência que disponham de gastrenterologista, de preferência numa unidade de cuidados diferenciados, com endoscopia terapêutica, facilidades de execução de análises e suporte transfusional. É indispensável a existência de cirurgia. O diagnóstico da hemorragia digestiva exige a realização de endoscopia digestiva, que deve ser realizada logo após a estabilização clínica. De acordo com a gravidade da hemorragia (sugerese o uso de uma escala de avaliação da gravidade), estado hemodinâmico, persistência da hemorragia, idade, etiologia e comorbilidades, o doente deve ser internado, podendo nalguns casos haver necessidade de internamento numa unidade de cuidados intensivos especializada.

Portanto, para o manejo de um doente com hemorragia digestiva, um hospital deve dispor de:

  • Gastrenterologista experiente em hemostase endoscópica
  • Endoscopia digestiva
  • Análises clínicas
  • Serviço de sangue
  • Cirurgia
  • Unidade de cuidados intermédios.

Hemorragia de causa não varicosa A prevalência de hemorragia digestiva não associada à hipertensão portal corresponde a cerca de 80% das causas de hemorragia digestiva alta. Entre as causas mais frequentes estão a úlcera péptica e as lesões agudas da mucosa, muitas vezes induzidas por antiinflamatórios não esteróides. A prevalência desta causa de hemorragia tem permanecido estável. Na abordagem destes doentes são fundamentais duas atitudes: a estabilização hemodinâmica do doente e a realização precoce duma endoscopia digestiva. A endoscopia tornouse, nas últimas décadas, um instrumento essencial na abordagem destas situações assumindo a sua utilidade no diagnóstico, na estratificação do risco e no tratamento. É por isso consensual a realização de uma endoscopia digestiva alta o mais precocemente possível. A terapêutica endoscópica pode ser desnecessária na maioria dos doentes dada a tendência para a paragem espontânea da hemorragia, mas existe um pequeno subgrupo de doentes com risco de persistência ou recidiva hemorrágica, com uma mortalidade associada de 2040%, que beneficiam de terapêutica endoscópica precoce. As potencialidades da endoscopia digestiva terapêutica estão relacionadas com a possibilidade de tratar a causa da hemorragia e diminuir a taxa de recidiva, havendo estudos que comprovam o seu efeito benéfico na redução da incidência de recidiva hemorrágica, na necessidade de intervenção cirúrgica e na mortalidade. Quanto ao tipo e modalidade de técnica terapêutica a utilizar existe ainda alguma controvérsia, sendo os diferentes métodos, na globalidade, igualmente úteis. 12 As técnicas de hemostase endoscópica disponíveis compreendem os métodos de injeção local (adrenalina, esclerosantes como o álcool ou o polidocanol, fibrina, etc.), os métodos térmicos (BICAP, argon plasma, …) e os métodos mecânicos (hemoclips, laqueação elástica, …). Estando reconhecida a utilidade global deste métodos, nomeadamente nas situações em que se identificam estigmas de hemorragia de elevado risco de recidiva (Forrest Ia, IIa e IIb), e não estando claramente definidos quais os mais eficazes, a sua aplicação está atualmente dependente da disponibilidade e da experiência em relação aos mesmos das diferentes unidades de endoscopia. Hemorragia por rotura de varizes esófagogástricas A hemorragia associada à hipertensão portal, nomeadamente a rotura das varizes esofágicas ou gástricas, é uma emergência médica que exige internamento em regímen de cuidados intensivos. A mortalidade é superior a 30% às 6 semanas, a despeito dos progressos terapêuticos verificados nos últimos anos. Esta elevada mortalidade está relacionada com o risco de recidiva, que é de cerca de 40% nas primeiras 6 semanas. O diagnóstico das varizes é endoscópico, sendo o rastreio em doentes com cirrose recomendado pela possibilidade de efetuar prevenção da rotura. A probabilidade de um doente com cirrose ter varizes é de 50%: 40% nos doentes Child A e 85% nos Child C. O risco de um doente com cirrose desenvolver varizes é de 3%/ano; e de sangrar por rotura de varizes de 1030%/ano. Após o primeiro episódio de hemorragia, o risco de recidiva dentro de um ano é superior a 50%. Os doentes com varizes médias ou volumosas deverão ser tratados com betabloqueadores. Estes doentes poderão beneficiar de laqueação elástica profilática. Nos doentes com hemorragia aguda, a endoscopia deverá ser realizada tão breve quanto possível, idealmente dentro de 12 horas, e uma perfusão de medicamentos vasoativos (octreótido, somatostatina, terlipressina) deverá ser começada de imediato. A terapêutica endoscópica com laqueação e, se esta não for exequível, a escleroterapia, está recomendada em todos os doentes com hemorragia aguda. O cianoacrilato está recomendado para a rotura de varizes gástricas. O tamponamento com o balão de Sengstaken será usado somente na hemorragia maciça como uma medida temporária, até que um tratamento definitivo seja instituído. A falência das medidas hemostáticas endoscópicas indica o uso do shunt portosistémico transjugular intrahepático (TIPS), da cirurgia ou da transplantação hepática. 13 A hemorragia associada à hipertensão portal nãocirrótica será tratada nos mesmos moldes, exceto no que diz respeito à anticoagulação quando indicada. Dado que a recidiva após um episódio de hemorragia aguda é muito elevado (80% aos 2 anos), recomendase que antes da alta hospitalar se inicie terapêutica de prevenção da recorrência. O uso de propanolol e da laqueação elástica/escleroterapia reduz a taxa de recidiva hemorrágica em cerca de 20%. Hemorragia digestiva baixa A frequência da hemorragia digestiva baixa é cerca de dez vezes menor que a hemorragia digestiva alta. Se for excluída a hemorragia por hemorróidas, as causas mais frequentes são as malformações vasculares, a doença diverticular e a neoplasia. Cirrose hepática descompensada As complicações da cirrose constituem uma importante causa de morte em Portugal, cuja frequência se tem mantido estável nos últimos anos. Dado que a mortalidade por carcinoma hepatocelular tem aumentado gradualmente, tendo duplicado na última década, em virtude da maior longevidade dos doentes com cirrose e do impacto da infeção vírica, é razoável admitir que este crescimento se manterá nas próximas décadas, devido às complicações da hepatite C. Quanto às outras etiologias, a doença hepática alcoólica continua a ter um peso assinalável nos serviços de saúde, mais numas regiões do que noutras. Uma referência para a doença hepática crónica associada ao fígado gordo, cuja prevalência tem aumentado constantemente na última década. Cirrose alcoólica Partindo do princípio que 20% dos bebedores excessivos desenvolvem doença hepática crónica e que 20% dos bebedores consomem 80% de todo o álcool, então estimase que haverá em Portugal cerca de 150.000 doentes (sensivelmente 1% da população maior de 18 anos) com doença hepática alcoólica crónica. A mortalidade estimada por doença hepática alcoólica era, em França, de 50 por 100.000 habitantes nos anos 80 do século passado. Atendendo a que o consumo per capita neste país não difere muito do que se passa em Portugal, então podemos extrapolar que o álcool é, provavelmente, a principal causa de morte por doença hepática no nosso país. A sobrecarga hospitalar devido à doença hepática alcoólica está, ainda, distante de um abrandamento, verificandose, pelo contrário, em alguns países como, por exemplo, a Inglaterra, um aumento significativo de internamento hospitalar por doença hepática alcoólica. 14 Cirrose pelo vírus da hepatite C (VHC) A proporção de doentes com cirrose nos doentes com infeção pelo VHC é aproximadamente de 20%, o que significa que, para a população portuguesa e partindo duma prevalência de 1,5%, existirão em Portugal cerca de 3.000 doentes com cirrose por VHC. Baseados nas estatísticas europeias, estimase que apenas 20% dos portadores do VHC estejam diagnosticados, o que, transposto para a realidade portuguesa, significa que cerca de 100.000 doentes portugueses desconhecem o seu estado clínico. Esta patologia necessita de um número médio anual de 60.000 consultas. Calculase que em Portugal sejam tratados cerca de 1.000 novos doentes por ano. A estimativa das necessidades para o internamento é de 1 para 1.000 indivíduos infetados, o que origina cerca de 150 internamentos por ano. A frequência de complicações, incluindo o carcinoma hepatocelular, é de cerca de 4% /ano, o que significa 120 doentes/ano internados por complicações ou candidatos a transplante hepático. Cirrose por VHB O número de portadores crónicos do VHB em Portugal estava, até há alguns anos atrás, estimado em 150.000, admitindose que a prevalência tenha diminuído com as medidas de prevenção. Aproximadamente, um terço dos doentes tem hepatite crónica e cerca de 20% tem cirrose. A progressão para a cirrose é de cerca de 23% / ano, isto é, cerca de 700900 doentes por ano. Estes doentes apresentam um risco de complicações, particularmente de carcinoma hepatocelular, de 10% aos 5 anos. Pólipos e cancro digestivo O cancro do aparelho digestivo tem em Portugal uma elevada incidência, muito especialmente o do cólon e reto e o do estômago. Estes elevados valores de ocorrência, prendemse não só com muito prováveis fatores genéticos, mas também com a existência no nosso país de fatores de risco, como a infeção por Helicobacter pylori no caso do estômago e hábitos alimentares no do cólon e reto. O nosso país tem a mais elevada mortalidade da União Europeia, motivada pelo cancro do estômago, com uma mortalidade anual de 2.404. Embora a prevalência desta patologia não seja indicadora de programas de prevenção e diagnóstico precoce, como em países de elevada incidência (Japão e Chile), é consumidora de elevado número de endoscopias e consultas anualmente. 15 O cancro do cólon e reto, é no nosso país a primeira causa de morte por cancro (14,8% das mortes por cancro), com um total 3.232 mortes em 2004, estimandose que anualmente são diagnosticados 5.000 novos casos. Estes números duplicaram nos últimos 10 anos, com maior incidência (90%) em indivíduos com mais de 50 anos. A existência de lesões benignas (pólipos), percursoras de cerca de 90% dos cancros do cólon e a reduzida sobrevivência do cancro aos 5 anos (50%), têm sustentado propostas de rastreio sistemático de grupos de risco aumentado e a todos os indivíduos com mais de 50 anos. Estes programas têm como métodos a pesquisa de sangue oculto, indutora de muitos exames endoscópicos por teste positivo (cerca de 30%), e a realização de fibrossigmoidoscopias/ /colonoscopia como outro dos métodos indicados, com deteção de lesões em cerca de 20% dos exames. O cancro do esófago, embora com incidência menor (3/100.000), mas com elevada mortalidade, é uma patologia em que a paliação endoscópica é frequente e consumidora de meios humanos e técnicos exigentes. Tumores Malignos – Número de casos estimados, segundo a localização e o tipo de tumor Portugal – 2000 Regiões Localização topográfica /Lista Básica (CID-9) Esófago (150) Estômago (151) Colon e Reto (153-154) Fígado (155) Pâncreas (157) Norte 203 1504 1492 159 238 Centro 86 601 984 113 170 L.V.Tejo, Alentejo e Algarve 221 1481 3011 274 429 Total do país * 529 3700 5714 570 871 *(inclui Açores e Madeira) Fonte: Cancro em Portugal, IARC Technical Publication Nº 38, Lyon 2002 Doença inflamatória intestinal A doença de Crohn e a colite ulcerosa constituem os 2 tipos principais de doença inflamatória do intestino (DII). A colite ulcerosa causa inflamação e úlceras no cólon e recto. A doença de Crohn difere da colite ulcerosa por causar inflamação mais profunda na parede intestinal, a qual pode ocorrer em qualquer localização do trato gastrointestinal, desde a boca até ao ânus. A DII afeta geralmente adultos jovens e tem um curso clínico crónico recidivante, com impacto na qualidade de vida relacionada com a saúde, nomeadamente em aspetos relacionados com a educação, a profissão, a vida social e familiar. Tratase de uma das principais áreas de intervenção da gastrenterologia. 16 Em Inglaterra a prevalência de doença de Crohn é de cerca de 55140/100.000 habitantes e a da colite ulcerosa é de cerca de 160240/100.000, com uma incidência combinada de cerca de 13.300 novos casos diagnosticados cada ano. Na França a prevalência da DII é de cerca de 110/100.000. Em Portugal o Grupo de Estudos de Doenças Inflamatórias do Intestino implementou um registo de doentes nos anos 2005/2006, tendose incluído neste período cerca de 8.000 casos. Alguns estudos sobre a doença de Crohn na Europa têm referido um grande aumento de incidência nos últimos 50 anos, enquanto que outros referem que se verificou um aumento significativo seguido de uma estabilização. Contudo, em Inglaterra continua a ser apontado um aumento significativo da doença de Crohn na idade pediátrica. As taxas de incidência da colite ulcerosa têm sido mais estáveis. É de assinalar que nos últimos anos se têm verificado progressos no tratamento da DII, par ticularmente na terapêutica biológica. Tratase de doenças com peso económico significativo, muito agravado pelos internamentos e intervenções cirúrgicas, particularmente na doença de Crohn. As despesas com a hospitalização são responsáveis por 80% dos custos totais na doença de Crohn. Em contraste, a terapêutica médica crónica constitui apenas 10% dos custos totais do tratamento.

Pancreatite aguda A pancreatite aguda é um processo inflamatório caracterizado por envolvimento de tecidos locoregionais ou de diversos sistemas orgânicos. Em termos de gravidade clínica, a pancreatite aguda pode variar entre:

  • a) forma ligeira, entidade associada a reduzida disfunção orgânica, com recuperação integral do pâncreas;
  • b) forma severa, se existir evidência de insuficiência orgânica ou de complicações locais, designadamente a necrose, abcesso ou pseudoquisto. A evidência de insuficiência orgânica inclui a ocorrência de choque, insuficiência pulmonar e insuficiência renal. A definição precoce de critérios de prognóstico é fundamental para estabelecer a gravidade da pancreatite aguda. Os fatores etiológicos mais frequentes na génese de pancreatite aguda são a litíase (3050%) e o abuso do álcool (causa provável em mais de 40% dos primeiros episódios).

Na pancreatite aguda idiopática, responsável por 8 a 25% dos casos, não é possível reconhecer uma causa provável com os métodos imagiológicos convencionais. No entanto, em dois terços destes doentes, a microlitíase poderá vir a ser identificada como fator etiológico. A hiperlipidémia, a pancreatite hereditária, o hiperparatiroidismo, os fármacos, o traumatismo pancreático e 17 a pancreatite aguda induzida por CPRE, surgem como causas menos frequentes de pancreatite aguda. A mortalidade global do primeiro episódio de pancreatite aguda, cifrase na ordem dos 12%. Pancreatite crónica A pancreatite crónica é definida como uma doença inflamatória e progressiva da glândula pancreática, caracterizada por alterações morfológicas irreversíveis, associadas ao apareci mento de dor abdominal e/ou à perda de função. Nas sociedades ocidentais o abuso do álcool é responsável por cerca de 70% dos casos de pancreatite crónica. A dieta com elevado teor de gorduras e proteínas surge associada, em estudos experimentais e epidemiológicos, a um risco aumentado de pancreatite induzida pelo álcool. A predisposição genética do hospedeiro também influencia o aparecimento desta situação clínica.

Oprognósticodapancreatitecrónicaalcoólicaégeralmentedesfavorávelverificandose,namaioria dos doentes, uma evolução clínica caracterizada por dor abdominal, insuficiência exócrina e perda de peso. Nos estadios mais avançados da doença, a endoscopia associada à drenagem interna e a descompressão cirúrgica, poderão constituir importantes atitudes terapêuticas. Cancro do pâncreas Estimase que a incidência desta neoplasia seja cerca de 8,4/100 mil habitantes. É a terceira neoplasia mais frequente do tubo digestivo em Portugal. Cerca de 90% dos cancros do pâncreas correspondem a adenocarcinomas bem diferenciados. 5% dos cancros do pâncreas têm origem em células endócrinas. Outras formas mais raras de cancro do pâncreas incluem os sarcomas, linfomas e cistadenocarcinomas. 80% dos adenocarcinomas localizamse a nível da cabeça do pâncreas. Esta localização é responsável pelo aparecimento de icterícia resultante da obstrução da via biliar. A incidência de cancro do pâncreas em fumadores é duas vezes superior à dos não fumadores. Também o cancro do pâncreas é mais frequente em países onde a dieta contém elevados teores de gordura e onde se verifica um maior consumo de carne. Por outro lado, uma dieta rica em fibras, surge como um agente protetor. Estudos recentes referem a diabetes mellitus como fator de risco. A pancreatite crónica, surge também, como fator de risco aumentado de cancro. Alguns doentes poderão ter uma predisposição genética. Determinados ambientes 18 profissionais, tais como, refinarias de petróleo e indústrias de papel e químicos, são referidos como podendo aumentar o risco de cancro do pâncreas. O cancro do pâncreas tem o pior prognóstico entre todos os cancros digestivos. Menos de 20% dos doentes com cancro do pâncreas sobrevivem um ano após o diagnóstico e menos de 3% sobrevivem mais de 5 anos. A cirurgia de exérese tumoral constitui o único tratamento curativo. No entanto, na altura do diagnóstico, 40% dos doentes já têm doença avançada e mais de 40% têm metastização visceral. A quimioterapia tradicional com 5fluoroacilo tem uma resposta global de cerca de 10%, sem efeito na qualidade de vida ou sobrevida. Os estudos com Gemcitabine têm demonstrado melhoria no controlo dos sintomas e aumento de sobrevida nos doentes com cancro avançado do pâncreas. Litíase biliar complicada Os dados estatísticos sobre a prevalência da litíase biliar em Portugal são esparsos. Segundo os dados da World Gastroenterology Association, na Europa, cerca de 10% dos adultos apresentam litíase biliar (sintomática ou não). A prevalência nas mulheres é o dobro da dos homens e cresce com a idade em ambos os sexos; por volta dos 65 anos cerca de 30% das mulheres têm litíase vesicular e por volta dos 80 anos a percentagem sobe para 60%, sendo nesta idade a prevalência igual nos homens e nas mulheres. A taxa de complicações desta patologia de elevada prevalência corresponde a 0,20,8%/ ano.

Adaptado de www2.acss.min-saude.pt